O Napoli logrou ser uma das únicas equipas capazes de bater a Vecchia Signora na Serie A desta temporada. 22 jogos depois da última derrota doméstica sofrida pelos comandados de Antonio Conte, precisamente, no Artemio Franchi frente à Fiorentina por 4-2. Perante uma Juve sem ideias, a equipa Napolitana empregou em campo uma enorme solidez defensiva e o melhor da sua transição de jogo.
Apesar das duas equipas estarem separadas por 20 pontos na tabela classificativa (1ª Juve com 81; 3º Napoli com 61 pontos) sempre que a Madonna desce de Turim até à bela baía de Napoli, o ambiente aquece nas hostes parte poi. Indiferentemente das posições ocupadas pelas duas equipas na tabela, dos títulos que se podem conquistar (ou não) na partida em questão, das conjunturas antecedentes das equipas nas vésperas do jogo ou da qualidade dos artistas que vão subir ao relvado com a camisola dos dois conjuntos, um Napoli vs Juve é encarado pelos dois lados como um jogo de vida ou morte. As assimetrias Norte-Sul, a particular rivalidade Norte-Sul existente em Itália (O Norte industrial e rico que apelida os napolitanos de africanos e parasitas; o sul pobre, agrário, com uma enorme taxa de criminalidade que apelida o povo de Turim como corruptos) faz deste clássico do futebol italiano uma espécie de fiel de balança no qual, por duas vezes por temporada, o norte, em particular, a cidade de Turim torce para que a sua equipa mostre em campo o domínio que o orgulho torinese exige nestes momentos e o sul (todo o sul de Itália) creia no Napoli como um veículo capaz de resgatar com o seu futebol o sentimento sulista, tantas vezes inferiorizado e segregado na Velha Itália.
Com um San Paolo em ambiente frenético as duas equipas entraram em campo com trajectos iguais até certo ponto da temporada, diferentes na actualidade. Ambas as equipas foram eliminadas da fase-de-grupos da Champions, tendo caído para a Liga Europa em virtude de terem sido 3ªs classificadas dos respectivos grupos. Enquanto a equipa de Antonio Conte faz contas matemáticas para assegurar o mais rapidamente possível o título italiano de forma a poder encarar os próximos compromissos para a Liga Europa com maior tranquilidade (a final da competição disputa-se este ano no novo Dell´Alpi de Turim) a equipa de Napoli já tem o apuramento para a Liga dos Campeões da próxima temporada praticamente assegurado e, na Liga Europa, foi, como bem sabemos, eliminada de forma categórica no San Paolo pelo melhor FC Porto da temporada.
Nos onzes apresentados, Antonio Conte manteve-se fiel ao habitual 3x5x2 fazendo algumas alterações cirúrgicas no onze que tem apresentado nos últimos jogos da equipa presidida por Andrea Agnelli. Com Carlitos Tevez ausente a cumprir castigo por acumulação de amarelos na Serie A, Conte apostou numa frente de ataque musculada com a inclusão de Pablo Osvaldo ao lado do basco Fernando Llorente. Na ala direita, posição ocupada nas últimas partidas pelo chileno Maurício Isla, Conte fez regressar a “mota suiça”, bem, uma das peças chave da Juve durante esta temporada, um tipo alto, rápido e bom de bola chamado Stephan Lichsteiner. Metade das assistências da Juve nesta temporada sendo que a outra metade pertence a meias a Andrea “lo gatone, lo zingaro” Pirlo e a Carlitos Tevez.
No lado do Napoles, Benitez também se manteve fiel ao seu habitual 4x3x3 com duplo pivot defensivo no meio-campo (incluíndo o reforço de inverno Jorginho ao panzer Inler, mestre de cerimónias do musculado trio de suiços que Benitez dispõe para aquela posição), Marek Hamsik a titular no lugar que tem pertencido, na maior parte da época, a Dries Mertens, Henrique no lado direito da defesa. De resto, tutto equale com Faouzhi Ghoulam na esquerda da defensiva (um achado do Napoli) Federico Fernandez e Raul Albiol no centro da defesa, o tridente de meio-campo supra citado e o tridente ofensivo habitual com Callejón na direita, Insigne na esquerda e “La pepita” Higuaín na frente de ataque.
O experiente Daniele Orsato, candidato à final da Champions e do próximo mundial, foi o árbitro designado pela FIGC para arbitrar o maior jogo da jornada 31 da Serie A.
Pode-se dizer que o Napoli entrou a todo o gás. A equipa Napolitana apoderou-se da posse de bola logo no início da partida, fazendo a Juve recuar no terreno e aplicar a sua “organizada” (nestes primeiros minutos do San Paolo foi tudo menos organizada) estrutura defensiva com pressão à zona.
Nos primeiros minutos de jogo, o Napoli teve as primeiras oportunidades de golo. A primeira aconteceu aos 4″ quando Gokhan Inler tentou um passe-remate rasteiro com a parte exterior do pé esquerdo de fora da área com um molho de jogadores à sua frente (à espera de surpreender Buffon ora com o toque tenso disferido, ora com a possibilidade do remate ser desviado por Higuaín ou Callejón de forma a trair Buffon) e, depois de um desvio sofrido nos pés de um jogador dos zebrete, a bola caiu nos pés de Callejón que com um toque subtil na bola tentou enganar o experiente guarda-redes de 36 anos. Com reflexos apuradíssimos, o guarda-redes da Squadra Azzurra defendeu a bola e Leonardo Bonucci tratou de a descarregar como pode para a linha final cedendo canto. Do canto, a bola foi inserida dentro da baliza d Juve mas o auxiliar de Orsato decidiu anular o golo. Recapitulando: Callejón bateu para o coração da área com conta, peso e medida, Buffon teve que sair a punhos na pequena área, a bola pára nos pés de Higuaín, o argentino remata contra defensores da Juve e a bola sobra para o moicano Hamsik que empurra para o fundo das redes de Gigi. Contudo, atento, o auxilar de Orsato conseguiu descortinar a posição em fora-de-jogo do eslovaco no momento do remate do seu colega de equipa, apontando assertivamente a irregularidade cometida.
O tridente ofensivo do Napoli não parou por aqui. Com um futebol bem encadeado, denotando-se desde logo a presença de Higuaín nos processos de circulação (recuando várias vezes ao meio-campo para receber jogo e distribuir para as alas ou para Hamsik), a equipa de Benitez tentou surpreender a Juve com uma circulação rápida, capaz de baralhas as marcações e consequentemente capaz de quebrar o bloco defensivo que a equipa de Conte apresenta habitualmente no rectângulo de jogo. Por diversas vezes durante esta temporada, a equipa de Conte encarou este tipo de jogos com uma abordagem inteligente ao jogo: defendendo na retranca quando assim é obrigada, esperando pelos melhores momentos para disferir estocadas mortíferas ora através do contra-ataque, ora através da criação de jogo que é feita essencialmente por Pirlo e Pogba e Vidal nas zonas de construção e por Tevez numa posição mais adiantada do terreno, para depois, aquando da obtenção de uma vantagem, regressar à matriz defensiva inicial. Quando essa disposição táctica pensada por Conte surte efeito, a Juve é imbatível.
Pouco pressionante a meio-campo, a Juve deixou a equipa de Napoli jogar à vontade nestes primeiros minutos. Aos 9″ surge a segunda oportunidade de golo num lance em que Buffon é chamado a intervir pela 2ª vez: Callejón recebe na direita, rasga para a entrada de Henrique no flanco (o brasileiro está a dar-se muito bem com o novo papel; ele que é central de origem), o brasileiro ganha em velocidade a Asamoah (facto raro) e toca para dentro da área para remate de primeira de Marek Hamsik, enrolado para defesa apertada de Buffon por cima da trave.
Acossada, a Juve tentou travar o ímpeto inicial dos Napolitanos. Quase que mecanicamente, os torinese viraram-se para a experiência e para a eficácia (materializada num só corpo, num só par de pés) de Andrea Pirlo. Contudo, apesar de Pirlo ter tentado organizar e colocar ideias no jogo da equipa de Conte, a Juventus não teve muito nexo no seu jogo e esteve longe de ser a equipa esclarecida e objectiva que é.
Ao invés da passividade da equipa de Conte, a equipa de Benitez tentava explorar todas as possibilidades: desde a subida dos laterais (Ghoulam não se fez rogado com a presença de Lichsteiner no seu flanco e subiu muito bem no flanco esquerdo; tem um cruzamento fantástico este internacional argelino) à inserção dos extremos ao 2º poste para aproveitar a subida dos laterais às habituais arrancadas de Insigne pela esquerda. O extremo acelerou o jogo quando quis e teve 3 ou 4 pormenores de classe, recebendo no meio-campo, acelerando, partindo em drible contra Cáceres, tirando 1, 2, 3 jogadores da Juve que se atravessavam no seu caminho. Contudo, o Napoli não conseguiu materializar este domínio na primeira meia hora de jogo.
Só aos 25″ da partida a Juve seria capaz de fazer o seu primeiro remate à baliza quando Pablo Osvaldo tentou trabalhar um 1×1 contra Raul Albiol na área napolitana, perdeu o duelo para o espanhol mas a bola foi parar aos pés de Stephen Lichsteiner que, rematou rasteiro para defesa fácil de Pepe Reina. O suiço foi o único jogador que tentou remar contra a maré napolitana no San Paolo.
O lance de Lichsteiner indiciava algum crescimento da Juve na partida. Sol de pouca dura. 3 minutos passaram para a equipa Napolitana colocar novamente à prova Gigi Buffon num lance em que Insigne trabalha o lance no flanco esquerdo perante a oposição de Cáceres, tenta colocar a bola no centro da área para a desmarcação de Higuaín. Insigne falhou o cruzamento e a bola sobrou para a entrada de Callejón no flanco direito. O espanhol atirou forte e Buffon respondeu com mais uma boa defesa ao remate do antigo jogador do Real Madrid.
Tudo perfeito para a equipa de Benitez. O jogador menos in da equipa napolitana estava a ser Jorginho. Não quero com isto dizer que o antigo jogador do Chievo, contratado em Janeiro tenha jogado mal porque não jogou. Simplesmente foi o jogador com menos destaque na equipa do madrileno Benitez ao falhar muitos passes e perder muitas bolas no meio-campo.
O cântaro tanto foi à fonte…
que inevitavelmente partiu. Aos 36″, o Napoli viria a inaugurar o marcador. Mais uma vez Insigne recebeu a bola na esquerda, colocou-a na área e José Maria Callejón aporoveitou a distracção do seu defensor directo (Kwadwo Asamoah) para inaugurar o marcador, limitando-se a empurrar para o fundo da baliza de um desamparado Buffon que nada pode fazer para travar o toque repentino do espanhol. Grande festa no San Paolo a coroar o 11º golo do espanhol na Serie A.
Até ao intervalo, perante uma exibição irrepreensível da dupla de centrais Napolitana, a Juve haveria de criar a sua melhor oportunidade na primeira parte com Pablo Osvaldo a tentar um pontapé de moinho na área a cruzamento de Stephen Lichsteiner na direita. Na última jogada do primeiro tempo, os jogadores Napolitanos ficaram a pedir grande penalidade num lance em que Chiellini estorvou Gonzalo Higuaín na área. O italiano não tem intenção de derrubar o argentino, limitando-se a estorvá-lo quando este se preparava para rematar à baliza de Gigi Buffon.
Ao intervalo, a vantagem Napolitana era mais que justificada pela atitude dominadora demonstrada nos primeiros 45 minutos.
2ª parte
Antevendo a hipótese da Juventus aparecer no 2º tempo com outra atitude, a equipa de Rafa Benitez começou o segundo tempo com uma circulação de bola lenta de forma a não deixar que os torinese pudessem aumentar o ritmo de jogo e quiçá encostar a defensiva napolitana às cordas. Rapidamente, Pirlo começou a tentar mexer a máquina da equipa de Turim e a equipa de Rafa Benitez foi, de forma inteligente, recuando no terreno, optando por lançar o seu fortíssimo contragolpe por intermédio do seu tridente ofensivo. Por várias vezes na segunda parte, Callejón, Higuaín e Insigne tiveram situações de 3×3 contra os 3 centrais da equipa de Antonio Conte.
Insatisfeito com a prestação de alguns jogadores, Conte tentou abanar a partida. Aos 52″ mexeu nas alas, retirando do terreno de jogo o ganês Asamoah (adversário da selecção Portuguesa no próximo mundial) para a entrada de Maurício Isla. A entrada do Chileno obrigou a uma troca nos flancos, passando Lichsteiner para o flanco esquerdo. Com esta alteração, Conte matou metade do parco perigo da equipa. O suiço não conseguiria ser tão forte no flanco esquerdo como o tinha sido na direita. Muito por culpa da leitura que Benitez fez da alteração, pedindo a Callejón que descesse mais para ajudar Henrique a defender o suiço. Este 3x5x2 da Juventus pode funcionar contra muita gente, até porque os mecanismos da equipa estão treinados para que Tevez caia muitas vezes nas alas e homens com Pogba, Giovinco ou Vidal apareçam por sua vez em zonas de finalização ao lado de Llorente, Vucinic ou Osvaldo. Contra o Napoli, uma equipa que joga com dois extremos muito subidos e bem co-adjuvados pelos laterais, pode-se dizer que os napolitanos estiveram sempre em vantagem nas alas, tanto ofensiva como defensivamente. A entrada de Isla segurou o ímpeto demonstrado por Ghoulam nas suas subidas no terreno mas retirou poder ofensivo à equipa. No miolo, tanto Vidal como Pogba estavam demasiado estáticos, tornando a missão de Inler demasiado fácil.
Aos 60″, não satisfeito com as alterações promovidas, Conte tentou mexer com a construção de jogo da equipa ao retirar Pogba para a entrada de Marchisio. A entrada do 8 da Juve em nada favoreceu a equipa. Poucos minutos depois, Conte mexeu na frente de ataque ao colocar Vucinic ao lado de Llorente em detrimento da saída de Osvaldo. Conte acabou por gastar em vão as 3 alterações. Ao não arriscar uma mudança táctica, não conseguiu realmente arriscar ao ponto de granjear objectividade no jogo da sua equipa. A Juve continuou uma equipa sem ideias na noite do San Paolo.
Numa altura em que a Juve tentava encostar o Napoli à sua área, Benitez decidiu refrescar a frente de ataque com a entrada de Pandev para o lugar de Higuaín. A ideia do treinador espanhol seria lançar a força do macedónio de forma a conseguir estender novamente a partida. O macedónio cumpriu o seu papel. Aos 77″ conseguiu ganhar uma bola a meio-campo e iniciar um contra-ataque, endossando a rasgar para a entrada de Hamsik pelo centro do terreno. O eslovaco, entalado por Chiellini e Lichsteiner podia ter avançado mais com a bola (faltaram-lhe pernas para se isolar) ao invés de ter tentado alvejar a baliza de Buffon de fora-da-área.
O eslovaco já tinha dado tudo o que tinha a dar na partida. Fantástica exibição do Moicano no San Paolo. Foi o dínamo da circulação de bola do Napoli, o estratega da equipa, o pensador de jogo. Com o seu passe curto, jogou e fez jogar. Com o seu passe longo quase sempre descobriu Ghoulam, Insigne ou Henrique nas alas.
Apercebendo-se do esgotamento físico do seu distribuidor de excelência, Benitez quis dar uma estocada no jogo com a entrada de Dries Mertens para o lugar do eslovaco. Ter este holandês no banco de suplentes é um crime para qualquer equipa. Mertens é efectivamente neste momento um dos melhores jogadores a promover acelerações de jogo no futebol mundial. Na primeira vez em que o antigo jogador do PSV teve a bola nos pés, aproveitou uma transição rápida promovida por Pandev para receber uma transversal da esquerda para a direita do macedónio, “comer de cebolada” Marchisio com uma fantástica contemporização seguida de simulação para enganar o italiano e atirar cruzado à baliza de Buffon que não pode fazer mais do que seguir a bola com os olhos. O Belga foi simplesmente espectacular no 1×1 ganho contra o centrocampista italiano. Com este lance matou claramente o jogo, garantindo os 3 pontos para a equipa napolitana.
O lance de Mertens mexeu com a cabecinha do pobre Chiellini. Na primeira oportunidade, o central da Squadra Azzurra perdeu a cabeça com o irrequieto holandês e numa disputa de bola junto à linha lateral mandou uma patada em cheio na cara do jogador azurro. Daniele Orsato tapou os olhos (o árbitro internacional italiano tentou ser pragmático durante toda a partida, deixando jogar quando as jogadas assim o permitiam, parando o jogo só em situações passíveis de sanção disciplinar) e perdoou a expulsão ao central italiano. Até ao final da partida, com 6 minutos de compensação dados por Orsato, tempo ainda para a fífia do costume de Arturo Vidal. O chileno tentou, como de resto é seu hábito, cavar a grande penalidade do costume. Orsato não foi na cantiga e mandou o chileno levantar-se.
Vitória justa da equipa de Benitez numa primeira parte diabólica na qual a equipa napolitana foi a única que fez pela vida para levar os 3 pontos. Na 2ª parte, o ritmo de jogo diminuiu e as duas equipas protagonizaram um futebol de péssima qualidade. Hamsik (pelo que jogou e fez jogar no primeiro tempo), Faouzi Ghoulam (pela assertividade com que defendeu Lichsteiner e pelo afoito com que subiu no flanco esquerdo com a presença do jogador mais perigoso da Juve no jogo no seu flanco), Lorenzo Insigne (mais um jogão do pequenino mágico de Napoli; fantástico a desequilíbrar ora pelo flanco esquerdo, ora pelo miolo quando foi lá buscar jogo e acelerá-lo através dos seus rapidíssimos dribles) e Dries Mertens (pelo fantástico trabalho individual realizado no lance do 2º golo dos visitados) foram para mim os homens do jogo. A Juve mostrou mais uma vez que é capaz do melhor e do pior. Os últimos jogos realizados (Genoa, os dois contra a Fiorentina) já previam que esta Juve parece estar a perder alguma forma física. A equipa parece demasiado estática, demasiado dependente dos lances individuais de Pirlo e do trabalho que Carlitos Tevez consegue fazer no último terço. Salvaram-se as excelentes performances de Gigi Buffon, Step Lichsteiner e Andrea Pirlo, este último a espaços na partida.